Não será um
empreendimento excêntrico pretender extrair dos actos de Napoleão a prova da
sua existência? Porque, se é verdade que a sua existência explica os seus
actos, os seus actos não podem provar a sua existência, a menos que
esta tenha já sido implicitamente posta na palavra sua. Além disso, na
medida em que Napoleão não é senão um indivíduo, não existe entre os seus actos
e ele relação absoluta tal que nenhum outro indivíduo seria capaz das mesmas
acções: é talvez essa a razão que me impede de concluir dos actos para a
existência. Com efeito, se digo que os actos são de Napoleão, então a prova é
supérflua, pois que já me referi a ela; mas se ignoro o nome do seu autor, como
provar pelos próprios actos que eles são efectivamente de Napoleão? Não posso
ultrapassar a afirmação, inteiramente abstracta, de que procedem de um grande
general, etc.
Pelo contrário, entre Deus e os seus actos existe uma relação absoluta,
porque Deus não é um nome, mas um conceito, e é talvez por isso que a sua essentia
involvit existentiam. Assim, os actos de Deus só Deus pode praticá-los; muito
bem; mas quais são então os actos de Deus? De actos imediatos, a partir dos
quais possa provar a sua existência, não vejo o menor vestígio, a menos que
admita que a acção da sua sabedoria da natureza, da sua bondade ou da sua
sabedoria na Providência entre pelos olhos dentro. Mas, com isto, não abro eu a
porta, pelo contrário, a tentações terríveis, tentações tais que não é possível
superá-las a todas? Não, de tal ordem de considerações não consigo tirar
verdadeiramente a prova da existência de Deus, e, mesmo que o tentasse, jamais
conseguiria levá-lo a termo, enquanto me veria forçado a viver sempre em
suspenso, com o receio de que me sucedesse de repente alguma coisa tão terrível
como a perda das minhas pequenas provas.
Soren Kierkegaard
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